Categories Inspiração

Amor de verdade

Posted on
Amor de verdade

Eu caía no chão. Tentava me desvencilhar, virava o rosto pra lá e pra cá, olhos apertados e schlap! – ela conseguia. Aquela lambida no rosto da dona era a coisa mais importante do mundo pra ela, e eu não escaparia tão facilmente. Eu ficava com nojinho, dava bronca, mas no fim nunca resistia àquela carinha alegre de língua pra fora, que me recebia com a maior saudade do mundo quando eu voltava da escola. Ou da faculdade. Do trabalho. Ou mesmo da padaria, naqueles 10 minutinhos que saía pra comprar pão.

Não sei como é a vida de quem nunca teve um cachorro. Quem nunca teve uma recepção eufórica ao chegar em casa. Nunca adormeceu no sofá com aquela barriga quentinha do lado, e foi acordado pelo roncos e tremidinhas de um cão adormecido. Quem nunca teve um sapato destruído, meias roídas, chocolates roubados, almofadas furadas, lixos revirados, tapetes maculados, pernas bolinadas. Que vida sem graça essa, na qual você sempre sabe quem vai comer suas guloseimas e seus sabonetes. Sabonetes?

E, se você não viveu isso, como vai saber como o bichinho fica agoniado quando você adoece? Como ele fica do seu lado o tempo todo (pode até ter trovão!) e faz questão de te levar o ossinho mais babado que encontrar. Presentão. Como ele aproxima a cabeça pra ganhar carinho, e fecha os olhinhos de prazer quando tem o pedido atendido. Você nunca vai saber como é gostoso quando ele fecha os olhinhos de prazer.

E quando aquele amigo sem noção vai pregar uma peça em você e, na primeira aproximação sorrateira, ouve o rosnado de seu protetor peludo? Pode ser um pitbull ou um poodlezinho, mas eu garanto que ninguém vai te sacanear se ele estiver por perto. Sei bem disso e tenho até cicatrizes na mão de quando tentei subestimar o instinto protetor da Natasha. Natasha, minha cocker. A proteção, na verdade, era por um cachorrinho cor de rosa que fazia barulhinho e, por algum tempo, ela encasquetou que era um filhote. E protegeu com unhas e dentes! Apesar de nem ter unhas direito.

Ela amava o cachorrinho cor de rosa. Ela passou por tantas fases diferentes.. a fase dos sapatos das visitas, a fase dos brinquedos, a fase das comidas, a fase dos ossinhos. Hoje, está na fase da soneca. É uma cachorrinha senil. Uma cachorrinha que exige muitos cuidados. É justo que eu cuide – ela cuidou da minha alegria e do meu coração como nenhum humano pôde fazer. Por anos e anos. Me ensinou a ser mais carinhosa, mais sensível, mais brincalhona, mais feliz. Hoje, eu queria não ser tão sensível assim. Queria ser mais forte, até pra cuidar melhor dela. Mas sei o que a Natasha me ensinou de mais importante: a gratidão. Por todos os momentos incríveis que ela me deu. Todas as risadas, os chamegos, as loucurinhas. Fomos muito felizes juntas e, não se preocupe: seremos até o fim.

Facebook Comments

Author: Raíra Venturieri

Raíra Venturieri é jornalista, roteirista, escritora, filósofa de boteco e sim, bem tagarela. Foi repórter do Guia Quatro Rodas e tem matérias publicadas nas revistas Viagem e Turismo, Host & Travel e Viaje Mais, entre outras.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *